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domingo, 3 de fevereiro de 2013

Entrevista com Carlos Machado

CEERT: Fale um pouco sobre o que te estimulou a pesquisar e, posteriormente, escrever sobre este tema?
Carlos Machado: O meu livro versa sobre a presença de mulheres e homens negros na área da ciência tecnologia e inovação, acrescido daqueles que ganharam o Prêmio Nobel. Depois do episódio do anúncio na revista Ebony, comecei a pensar sobre a referência dominante sobre a população negra. Referência essa que diz que somos bons trabalhadores braçais, fortes, com aptidões nos esportes e nas artes. Porém há uma total invisibilidade dos nossos conhecimentos nas ciências biológicas e exatas. Na Europa você encontra publicações como o meu livro, nos Estados Unidos e Canadá também e justamente no Brasil, com maioria da população negra, esse tema era intocado.

CEERT: Como foi o processo de escrita e publicação?
C.M.: Por meio da internet traduzi do inglês para português o perfil de vários cientistas. Escrevi o livro só em 2005, então fiquei amadurecendo a ideia por muito tempo. Em nove meses, o livro estava pronto e comecei a divulgá-lo para as editoras.

CEERT: Você encontrou dificuldade nas editoras?
C.M.: Sim, grande parte não deu resposta e as poucas que responderam vieram com negativas. A verdade é que as editoras não tinham interesse em publicar um livro nessa linha de ciência, tecnologia e inovação afrodescendente.

CEERT: O livro tem cientistas brasileiros/as?
C.M: Sim, só que em número reduzido porque na época eu quis dar uma abordagem pan-africanista com foco na diáspora. Outra razão que acarretou na pouca presença nacional foi a minha dificuldade em achar fontes de informação sobre inventores brasileiros. A maioria dos sites sobre esse tema é norte-americano. Ainda hoje o Brasil não tem um site dedicado ao perfil de cientistas negros brasileiros. Creio que a preocupação em produzir inovação no Brasil é algo recente, pois sempre houve a cultura de importar tecnologia e não de desenvolvê-la. Os cientistas daqui eram desprezados. Por exemplo, um amigo que mora nos Estados Unidos me mostrou certa vez uma HQ dos anos 70 sobre cientistas negros que foi lançada com objetivo de incentivar jovens negros a entrarem na área da Engenharia.


CEERT: Qual foi a invenção mais curiosa queencontrou na sua pesquisa?
C.M.: Foi a do Dr. George Washington Carver, pesquisador do Instituto Tuskegee, no Alabama, uma universidade historicamente negra, onde ficou pelo resto da vida. No seu trabalho científico e engenhoso, Carver não só conseguiu vários resultados, como fez muito pelo bem dos negros e de toda a região sul dos Estados Unidos. Em seu humilde laboratório, pesquisou várias plantas e descobriu muitos produtos derivados do amendoim, batata-doce, noz pecâ e outros vegetais. Estas culturas eram alimentos apenas dados aos porcos. Um de seus feitos mais famosos foi conseguir produzir o índigo, que dá o tom às calças jeans e que salvou a indústria estadunidense em época de escassez de corantes. Dr. Carver era uma espécie de consultor para os pequenos agricultores, e ensinava-os sobre tudo o que se referia a plantações. Além disso, fez conferências para a associação dos agricultores e empresários do amendoim, aconselhando-os sobre o plantio e sobre a produção de derivados desse vegetal. O cientista também impressionou positivamente o Congresso americano quando foi convidado a dar sua opinião sobre a viabilidade econômica de produzir o amendoim, substituindo as importações. Ele foi amigo de presidentes dos Estados Unidos, ministros da agricultura e de empresários brancos como Henry Ford e Thomas Edison, que o convidou para trabalhar em sua empresa de invenções, impressionado pelas descobertas que saíam do seu laboratório. Ele inventou tintas, café, nitroglicerina usando o amendoim como matéria-prima. Além disso, é o inventor da pasta de amendoim. Imagine que no início do século XX a monocultura do algodão ou do fumo havia empobrecido o solo americano e as invenções de Carver surgiram como uma alternativa de renda para muitas famílias.


CEERT: Algum exemplo brasileiro?
C.M.: Sim, o cientista e engenheiro André
Rebouças. Ele tinha grande influência na família real brasileira no século XIX, tanto que com o fim da monarquia, em solidariedade à família real, ele deixou o Brasil. Criou muitas pontes e estradas. Foi homenageado em grandes cidades, dando o nome para importantes avenidas, como em São Paulo e para o túnel Rebouças no Rio de Janeiro.

CEERT: Como você acha que a invisibilidade do negro afeta os indivíduos?
C.M.: Ela afeta justamente a nossa humanidade. Ela deixa de revelar que o protagonismo negro não está restrito ao samba e futebol, mas sim que somos múltiplos e isso não é ensinado na escola como deveria. Nasci em 1970, estudei na época de ditadura militar, os poucos personagens negros que apareciam nas aulas eram embranquecidos. Mesmo na Literatura, como ocorre até hoje com Machado de Assis.


CEERT: Essa tentativa de inviabilizar o negro é um fenômeno mundial?
C.M.: Sim, sem dúvidas. O mundo todo vem de uma tradição eurocêntrica e milhões de mentes acreditam na História do jeito que ela é contada por eles nesses mais de 500 anos de dominação europeia no mundo. A genialidade negra e indígena foi esquecida por séculos e os europeus se apoderaram de muitos conhecimentos. Todo o conhecimento que recebemos nas escolas e universidades tem base greco-romana, como se antes de Grécia e Roma não tivessem existido outras civilizações. Ora, já foi provado que os primeiros seres humanos surgiram no continente africano.


CEERT: Hoje você é professor de História da rede pública de ensino. Como é tocar nessa pauta na sala de aula?
C.M: Eu tento fazer minha parte, mas tenho consciência que somos poucos em meio a muitos que resistem a mudanças no seu modo de ensinar. Creio que o livro ajuda a potencializar a disseminação da informação sobre a genialidade negra que ficou por muito tempo escondida. A força da hegemonia branca e do racismo é muito grande. Por exemplo, a Universidade surgiu na África. As três mais antigas do mundo ficam lá. A primeira surgiu no Marrocos, seguida do Egito e Mali. Ou seja, lugares que têm uma influência universitária muito antiga, mas nem ao menos esse dado é difundido no mundo. Daí, quando você vem e fala sobre grandes cientistas negros e, infelizmente, o senso-comum ainda se choca. Apesar da Lei 10639/2003 que completou 10 anos, ainda pouco foi feito para mostrar que a população negra tem influência em todas as áreas do conhecimento.


CEERT: Pode citar três grandes invenções que foram idealizadas por mulheres negras?
C.M.: Sim. Vou citar três americanas. No campo da medicina temos a invenção da oftalmologista Dra. Patricia Bath. Ela inventou a sonda Laserphaco em 1981. A sonda realiza cirurgia à laser nos olhos. Até hoje sua invenção é utilizada. Outra mulher de destaque é a Madame C.J. Walker. Ela foi a primeira mulher milionária dos EUA. Ganhou muito dinheiro com a criação de produtos para cabelos. Ela é a inventora do pente quente usado antigamente nos alisamentos de cabelos crespos. Em 1908, criou fábricas e escolas de beleza muito antes da existência das grandes empresas de cosméticos. A última é uma pesquisadora que trabalha para a NASA na área de novas tecnologias para aviação. Seu nome é Anna McGowan e é diretora de projetos dentro de um centro de investigação. Ela pesquisa um modo de criar aviões tão manobráveis e ágeis como os pássaros e insetos voadores.


*O esfregão e o balde que o acompanha foram criados pelo inventor negro Thomas Stewart, em 1893. Já a sonda ultravioleta foi criada por George R. Carruthers, em 1972. Sua invenção foi utilizada na missão Apollo 16 à Lua. (Informações extraídas do livro “Negros e negras inventores, cientistas e pioneiros)
Fonte: http://correionago.ning.com/profiles/blog/show?id=4512587%3ABlogPost%3A328437&xgs=1&xg_source=facebookshare - Acessado em: 03/02/013

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