CEERT: Fale um pouco sobre o que te estimulou a pesquisar e, posteriormente, escrever sobre este tema?Carlos Machado: O
meu livro versa sobre a presença de mulheres e homens negros na área da
ciência tecnologia e inovação, acrescido daqueles que ganharam o Prêmio
Nobel. Depois do episódio do anúncio na revista Ebony, comecei a pensar
sobre a referência dominante sobre a população negra. Referência essa
que diz que somos bons trabalhadores braçais, fortes, com aptidões nos
esportes e nas artes. Porém há uma total invisibilidade dos nossos
conhecimentos nas ciências biológicas e exatas. Na Europa você encontra
publicações como o meu livro, nos Estados Unidos e Canadá também e
justamente no Brasil, com maioria da população negra, esse tema era
intocado.
CEERT: Como foi o processo de escrita e publicação?C.M.: Por
meio da internet traduzi do inglês para português o perfil de vários
cientistas. Escrevi o livro só em 2005, então fiquei amadurecendo a
ideia por muito tempo. Em nove meses, o livro estava pronto e comecei a
divulgá-lo para as editoras.
CEERT: Você encontrou dificuldade nas editoras?C.M.: Sim,
grande parte não deu resposta e as poucas que responderam vieram com
negativas. A verdade é que as editoras não tinham interesse em publicar
um livro nessa linha de ciência, tecnologia e inovação afrodescendente.
CEERT: O livro tem cientistas brasileiros/as?C.M: Sim,
só que em número reduzido porque na época eu quis dar uma abordagem
pan-africanista com foco na diáspora. Outra razão que acarretou na pouca
presença nacional foi a minha dificuldade em achar fontes de informação
sobre inventores brasileiros. A maioria dos sites sobre esse tema é
norte-americano. Ainda hoje o Brasil não tem um site dedicado ao perfil
de cientistas negros brasileiros. Creio que a preocupação em produzir
inovação no Brasil é algo recente, pois sempre houve a cultura de
importar tecnologia e não de desenvolvê-la. Os cientistas daqui eram
desprezados. Por exemplo, um amigo que mora nos Estados Unidos me
mostrou certa vez uma HQ dos anos 70 sobre cientistas negros que foi
lançada com objetivo de incentivar jovens negros a entrarem na área da
Engenharia.
CEERT: Qual foi a invenção mais curiosa queencontrou na sua pesquisa?C.M.: Foi
a do Dr. George Washington Carver, pesquisador do Instituto Tuskegee,
no Alabama, uma universidade historicamente negra, onde ficou pelo resto
da vida. No seu trabalho científico e engenhoso, Carver não só
conseguiu vários resultados, como fez muito pelo bem dos negros e de
toda a região sul dos Estados Unidos. Em seu humilde laboratório,
pesquisou várias plantas e descobriu muitos produtos derivados do
amendoim, batata-doce, noz pecâ e outros vegetais. Estas culturas eram
alimentos apenas dados aos porcos. Um de seus feitos mais famosos foi
conseguir produzir o índigo, que dá o tom às calças jeans e que salvou a
indústria estadunidense em época de escassez de corantes. Dr. Carver
era uma espécie de consultor para os pequenos agricultores, e
ensinava-os sobre tudo o que se referia a plantações. Além disso, fez
conferências para a associação dos agricultores e empresários do
amendoim, aconselhando-os sobre o plantio e sobre a produção de
derivados desse vegetal. O cientista também impressionou positivamente o
Congresso americano quando foi convidado a dar sua opinião sobre a
viabilidade econômica de produzir o amendoim, substituindo as
importações. Ele foi amigo de presidentes dos Estados Unidos, ministros
da agricultura e de empresários brancos como Henry Ford e Thomas Edison,
que o convidou para trabalhar em sua empresa de invenções,
impressionado pelas descobertas que saíam do seu laboratório. Ele
inventou tintas, café, nitroglicerina usando o amendoim como
matéria-prima. Além disso, é o inventor da pasta de amendoim. Imagine
que no início do século XX a monocultura do algodão ou do fumo havia
empobrecido o solo americano e as invenções de Carver surgiram como uma
alternativa de renda para muitas famílias.
CEERT: Algum exemplo brasileiro?C.M.: Sim, o cientista e engenheiro André
Rebouças.
Ele tinha grande influência na família real brasileira no século XIX,
tanto que com o fim da monarquia, em solidariedade à família real, ele
deixou o Brasil. Criou muitas pontes e estradas. Foi homenageado em
grandes cidades, dando o nome para importantes avenidas, como em São
Paulo e para o túnel Rebouças no Rio de Janeiro.
CEERT: Como você acha que a invisibilidade do negro afeta os indivíduos?C.M.: Ela
afeta justamente a nossa humanidade. Ela deixa de revelar que o
protagonismo negro não está restrito ao samba e futebol, mas sim que
somos múltiplos e isso não é ensinado na escola como deveria. Nasci em
1970, estudei na época de ditadura militar, os poucos personagens negros
que apareciam nas aulas eram embranquecidos. Mesmo na Literatura, como
ocorre até hoje com Machado de Assis.
CEERT: Essa tentativa de inviabilizar o negro é um fenômeno mundial?C.M.: Sim,
sem dúvidas. O mundo todo vem de uma tradição eurocêntrica e milhões de
mentes acreditam na História do jeito que ela é contada por eles nesses
mais de 500 anos de dominação europeia no mundo. A genialidade negra e
indígena foi esquecida por séculos e os europeus se apoderaram de muitos
conhecimentos. Todo o conhecimento que recebemos nas escolas e
universidades tem base greco-romana, como se antes de Grécia e Roma não
tivessem existido outras civilizações. Ora, já foi provado que os
primeiros seres humanos surgiram no continente africano.
CEERT: Hoje você é professor de História da rede pública de ensino. Como é tocar nessa pauta na sala de aula?C.M: Eu
tento fazer minha parte, mas tenho consciência que somos poucos em meio
a muitos que resistem a mudanças no seu modo de ensinar. Creio que o
livro ajuda a potencializar a disseminação da informação sobre a
genialidade negra que ficou por muito tempo escondida. A força da
hegemonia branca e do racismo é muito grande. Por exemplo, a
Universidade surgiu na África. As três mais antigas do mundo ficam lá. A
primeira surgiu no Marrocos, seguida do Egito e Mali. Ou seja, lugares
que têm uma influência universitária muito antiga, mas nem ao menos esse
dado é difundido no mundo. Daí, quando você vem e fala sobre grandes
cientistas negros e, infelizmente, o senso-comum ainda se choca. Apesar
da Lei 10639/2003 que completou 10 anos, ainda pouco foi feito para
mostrar que a população negra tem influência em todas as áreas do
conhecimento.
CEERT: Pode citar três grandes invenções que foram idealizadas por mulheres negras?C.M.: Sim.
Vou citar três americanas. No campo da medicina temos a invenção da
oftalmologista Dra. Patricia Bath. Ela inventou a sonda Laserphaco em
1981. A sonda realiza cirurgia à laser nos olhos. Até hoje sua invenção é
utilizada. Outra mulher de destaque é a Madame C.J. Walker. Ela foi a
primeira mulher milionária dos EUA. Ganhou muito dinheiro com a criação
de produtos para cabelos. Ela é a inventora do pente quente usado
antigamente nos alisamentos de cabelos crespos. Em 1908, criou fábricas e
escolas de beleza muito antes da existência das grandes empresas de
cosméticos. A última é uma pesquisadora que trabalha para a NASA na área
de novas tecnologias para aviação. Seu nome é Anna McGowan e é diretora
de projetos dentro de um centro de investigação. Ela pesquisa um modo
de criar aviões tão manobráveis e ágeis como os pássaros e insetos
voadores.
*O esfregão e o balde que o acompanha foram
criados pelo inventor negro Thomas Stewart, em 1893. Já a sonda
ultravioleta foi criada por George R. Carruthers, em 1972. Sua invenção
foi utilizada na missão Apollo 16 à Lua. (Informações extraídas do livro
“Negros e negras inventores, cientistas e pioneiros)
Fonte: http://correionago.ning.com/profiles/blog/show?id=4512587%3ABlogPost%3A328437&xgs=1&xg_source=facebookshare - Acessado em: 03/02/013